terça-feira, 3 de novembro de 2015

Linda e Corajosa Lais



Lais faz novos exercícios, volta a 'andar' e sonha com tocha olímpica

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Vinte e dois meses após o acidente que marcou sua vida, Lais Souza, 26, caminha.
Suspensa por cordas e com as mãos amarradas em barras que ladeiam a esteira, para conferir estabilidade, ela desenvolve ritmo moderado.

Mas andar mesmo ainda é uma quimera. Desde 27 de janeiro de 2014, quando se acidentou em Park City, nos EUA, onde treinava esqui aéreo, ela não sente nada do pescoço para baixo.

Na clínica paulistana onde ela faz reabilitação, o exercício requer ajuda de três pessoas. Uma sustenta o quadril, outra move a perna direita e uma terceira, a esquerda. A Lais cabe manter a fleuma.

Em dois anos, esse é o gesto mais próximo que ela faz do movimento de andar.
Quando a Folha chegou à clínica às 10h30 da terça (27), ela se exercitava havia uma hora e meia. "Já consegui 15 minutos na esteira."

Sobre a cabeça, um xale rosa. "Sinto muito frio. Dizem que tetraplégico tem disso."











A caminhada termina e William Campi, 26, orienta a cuidadosa remoção de Lais, que dali parte para outro aparelho. É ele quem dá o aval para descer a roldana do macacão que a prende à esteira.

Natural de Ribeirão Preto, ele é conterrâneo da ex-ginasta e se tornou, em janeiro, o cuidador dela, a quem acompanha nas viagens entre interior e capital paulista.
Tira cisco do olho, maquia, penteia, dá banho, limpa, consola e serve de divã. "Ficamos muito amigos, tipo irmãos", conta William.

Ele e a mãe de Lais, Odete, se revezam nos cuidados da ex-ginasta. Quando ela precisa viajar para dar palestras, William vai a tiracolo, com funções como virá-la na cama a cada duas horas durante a noite.

Editoria de arte/Folhapress
O DRAMA DE LAISO acidente da ex-ginasta
O DRAMA DE LAIS - o acidente da ex-ginasta
CHEESEBURGER

Nos últimos meses, Lais, 51 kg, readquiriu os movimentos nos ombros e sensibilidade em algumas áreas do corpo.

"Já consigo comer sozinha e sinto menos dor. Mas o que gostaria é de mexer os braços. Sinto muito falta", afirma.

Um de seus maiores prazeres recentes foi comer um cheeseburger. Uma mordida. Até há pouco, só recebia alimentação líquida, por sonda.

Poder se alimentar de outro modo lhe agrada, mas também a preocupa. "Como minha garganta ficou menor, se eu aspirar errado pode ser que dê merda. Ou melhor, vai dar merda."

Embora tudo seja extremamente difícil, a realidade se distancia do cenário mais trágico que, por alguns dias, o acidente parecia reservar.

Socorrida às pressas, chegou ao hospital da Universidade de Utah com risco de morte –no voo por helicóptero, aspirou o próprio vômito, causando-lhe pneumonia.

O impacto fraturou seu pescoço, deslocou a terceira vértebra cervical e impediu a respiração. Uma cirurgia de oito horas realinhou sua coluna, mas havia riscos. Uma semana depois, foi transferida para o Jackson Memorial Hospital, em Miami.
No fim de 2014, ela voltou a morar no Brasil, mas viaja com frequência para a Flórida, onde se submete a tratamento com células-tronco. "Não deixo de crer que é possível voltar a andar."

Lais foi parar na clínica Acreditando, em São Paulo, por causa da proprietária, Fernanda Fontenele, 29, que enviou carta à família da ex-ginasta ao saber do acidente.

Fernanda se solidarizou com a situação por também ter sido tetraplégica –hoje, mexe os membros superiores. Lais não paga a clínica, cuja hora custa até R$ 130.
Fernanda e o marido, Felipe Costa, 27, que é paraplégico, gerem o estabelecimento. Vítimas de acidente, conheceram-se em tratamento nos EUA, de onde trouxeram o método que utilizam.

A educadora Roberta Gaspar fica encarregada de sistematizar o programa de Lais.
"Ela só não teve mais evolução porque viaja muito e não é tão assídua", afirma.
Lais contra-argumenta que falta porque precisa trabalhar para pagar as contas. Participa de eventos e faz palestras, mas tem dificuldade para fechar o orçamento no azul.

Recebe pensão vitalícia de R$ 4.600 mensais aprovada neste ano pela presidente Dilma e tem apoiadores pessoais, mas gasta R$ 5.000 por mês com medicamentos e banca o salário de William. "A maior parte da minha recuperação sai do meu bolso", conta Lais, que não se estende nas queixas. Considera-se com sorte por receber tanta atenção.

Uma pausa na entrevista para que ela chame o escudeiro. Quer descruzar a perna. "Dá uns tapas, assim, ó, papapapapapa", diz. É para reativar a circulação.
Retomada a conversa, este repórter pergunta a ela como lida com o fato de ter revelado sua bissexualidade no início deste ano. "É natural para mim. Estamos no século 21. Minha opção, se sou bissexual, se gosto de mulher, de homem, não faz diferença."

Parece mais preocupada com um desejo para o ano que vem, participar dos Jogos do Rio. Pretende levar a tocha olímpica no revezamento que vai percorrer o Brasil.
"Me fizeram convite para levá-la em Ribeirão. É mágico, é o maior evento do mundo", lembra ela, saudosa.

Lais participou de Atenas-2004 e Pequim-2008, e as atuações estão eternizadas em tatuagens na sua pele.

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